Evidências da Experiência da Escócia – Modelo de sucesso no Controle do Câncer do Colo do Útero – Uma Reflexão


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O carcinoma do colo do útero  (CCU) é o quarto câncer mais comum nas mulheres e uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo. Países desenvolvidos tem registrado menores incidência dessa doença, devído implantação de programas de rastreio organizado do câncer de colo do utero. Os custos para implementação de um sistema de rastreio organizado é elevado, gerando dificuldades para sua implantação e manutenção, principalmente em paises em desenvolvimento.

Portanto o CCU continua a ser uma questão de saúde pública. O desenvolvimento de vacinas contra os mais importantes tipos oncogénicos de Papiloma Vírus Humano (HPV) tem o potencial de ser um passo importante na prevenção dessa neoplasia maligna, conforme conclusão do pesquisador britânico Tim Palmer (2019). Essas vacinas aliadas a metodologias de rastreio como a citologia oncótica (Papanicolaou) e ao tratamento em tempo oportuno de lesões pré-malignas e malignas são fundamentais para a erradicação do CCU.

 

Essas estratégias combinadas e, de formas organizadas pelas autoridades em saúde pública, segundo Palmer e colaboradores (2024), conseguiram eliminar o CCU na população escocesa, de meninas com 12 e 13 anos vacinadas contra o HPV em 2008. Essa meta foi alcançada devido a implantação da vacinação nas escolas, o que permitiu uma alta cobertura vacinal, ou seja, a extrema organização do programa de prevenção primária do CCU na Escócia, com a integração dos dados oriundos da população escocesa, associada ao programa de recuperação ampla, com alta cobertura populacional promoveram a enorme redução das doenças cervicais, conforme avaliações sete anos mais tarde, por exames  colposcopicos, citológicos e histológicos. Passado mais de 10 anos foi constatado que entre as meninas vacinadas, nenhuma destas desenvolveu câncer cervical (PALMER, et.al., 2024).

Esses pesquisadores relatam ainda que os resultados na redução do CCU teve colaboração crucial da prevenção secundária. A realização do exame citológico, em mulheres vacinadas, confirmam o desempenho da citologia, e que não demonstram perda de sensibilidade em mulheres vacinadas em comparação com mulheres não vacinadas.

Essa evidencia da eficiência do exame da citologia como método de rastreamento para prevenção do CCU, é demonstrado em programas de saúde pública com rastreamento organizado, o qual permite uma diminuição considerável da incidência dessa neoplasia maligna conforme dados de sistemas de saúde do Reino Unido, República da Irlanda, e destaque na Escócia, aonde as mulheres são examinadas entre 20 e 60 anos, com uma alta adesão ao programa ao longo de 5,5 anos chegando a 77,3%.

Entretanto, a experiência na Suécia, não apresentou até então o desempenho desejado do programa de prevenção primária, onde a vacinação contra o HPV, iniciada na mesma época que a da Escócia, porém  focaram na população de pessoas com idade acima de 20 anos, e tiveram uma cobertura vacinal considerada insatisfatória, de apenas 50% (PALME R, et.al., 2024).

A disponibilidade da vacina contra o HPV tetravalente, de forma gratuita no maior sistema de saúde público do mundo, o SUS, nesse ano completa uma década, e ainda é baixa a adesão da população brasileira, comprometendo a meta da cobertura da prevenção primária do CCU recomendado por órgãos internacionais, o que preocupa especialistas, e que no  Brasil tem como público alvo  meninos e meninas de 07 a 14 anos. A alta cobertura vacinal, é a forma mais eficiente de combater alguns tipos de câncer DNA HPV positivo, como é caso de aproximadamente 85% dos tumores do colo de útero, conforme evidenciado pela Escócia.

Vale ressaltar que o êxito da eliminação do CCU na Escócia anunciada em 2024 da população vacinada contra HPV, teve como estratégia a organização da prevenção secundária, com a escolha da realização do exame preventivo de Papanicoloau (citologia) até o dia 01 de maio de 2020, como rastreamento primário, bem como a organização da prevenção terciária, permitindo em tempo hábil os seguimentos adequados e necessários a mulheres com lesões pré-malignas e malignas. A integração e, a extrema organização da rede de saúde publica da Escócia, bem como em outros países desenvolvidos, são ferramentas  essenciais para a conquista desse fato inédito no mundo.

A citologia se destaca pelo custo-efetividade, especialmente quando comparada com outras técnicas mais sofisticadas, como exame eficiente para diminuir a incidência e a mortalidade, segundo International Agency for Research on Cancer (IARC) (Bouvard et al, 2021), como os testes moleculares recentemente aprovado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia do Sistema Único de Saúde (CONITEC) para possível incorporação pelo SUS, já que o custo total do exame citopatológicos atualizado com base no relatório do Conitec nº 497 de 2019 e atualizado pela Portaria GM/MS nº 3.426 de 14 de dezembro de 2020 o valor é R$ 18,31 por exames.

Importante ressaltar a existência de diferentes modelos de Sistema de Saúde públicos no mundo. Destaque para o National Health Service (NHS) Serviço Nacional de saúde do Reino Unido, que promove uma cobertura universal da população britânica na atenção a saúde e, de forma decentralizada. A politica pública desse sistema de saúde, quanto ao quesito financiamento aos serviços ofertados a população, no programa de  rastreamento do CCU, promove o pagamento do exame adotado na prevenção secundaria do CCU desses países, bem como o honorários profissional que realizou esses exames nos laboratórios, que ate 01/03/2020 na Escócia , o exame era a citologia em meio líquido.

Já no Brasil o sistema público de saúde, SUS, foi criado em 1990, baseado mesmo no sistema de saúde publica do Reino Unido, cobertura universal da população brasileira, descentralização dos serviços, mas para algumas politicas públicas são divergente como exemplo a promoção de saúde na prevenção do CCU, sendo que aproximadamente 90 % desses serviços em nosso país são realizados por redes de prestadores de serviços privado. Atendendo as legislações da administração públicas, esses serviços são credenciados pelos gestores municipais ou estaduais, para realizarem o exame de Papanicoloau (exame citológico convencional) e os prestadores privados recebem apenas pelo exame realizado. Enquanto, que o salario dos profissionais habilitados que fizeram esses exames, são de responsabilidade estritamente do prestador de serviço, recursos provenientes do pagamento pelos gestores municipais, estadual ou federal, sendo a ordem aproximadamente R$ 14,00 (U$ 2,8).

Diante de diferentes modelos mundiais de sistemas públicos de saúde, talvez essa seja a justificativa da desproporcional diferença apresentada, no relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) do valor da citologia como exame de rastreamento primário para rastreamento do CCU, apresentado no valor de U$ 15,74 (R$ 78,70,com a cotação do dólar a R$ 5,00), valor esse do exame de citologia recomendado  para a modelagem de custo-efetivo,  adotados nas Diretrizes da OMS 2ª Edição – Anexo B Evidências para tabelas de decisão – Modelagem custo efetivo.

A cobertura da população alvo é fator indispensável para o êxito de programas de rastreamentos e que estão evidenciados em países desenvolvidos como os Estados Unidos. É extremamente perturbador constatar que mais de 50% das mulheres americanas diagnosticadas com CCU nunca fizeram durante a vida  ou não realizaram o exame de Papanicolaou (citologia) nos últimos 5 anos, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC).

A United States Preventive Services Taskforce (USPSTF), Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos,  recomenda a triagem de mulheres de 21 a 29 anos com exames de Papanicolau a cada três anos, e mulheres com idades entre 30 e 65 anos podem fazer a citologia a cada três anos ou exames de pesquisa do HPV, ou co-teste  a cada cinco anos.

No trabalho de Cerqueira e colaboradores (2022) que tem como objetivo descrever as estratégias para prevenção e controle do câncer do colo do útero (CCU) na atenção primária à saúde (APS) na América do Sul, dentre eles o Brasil, teve como resultados que todos os países têm elevadas taxas de morbimortalidade por essa neoplasia maligna, que a forma de rastreamento primário predominantemente é a forma oportunística, totalmente diferente da forma organizada, promovida em países desenvolvidos, dentre eles a Escócia.

Outro fator extremamente relevante apontado, nesse trabalho foi a indisponibilidade dos serviços próximo às residências da população alvo, tornando-se grande barreira para adesão aos programas de rastreamento do CCU, que diante destes achados, há a necessidade da organização dos programas de rastreamento do CCU, incorporação de busca ativa para a realização do exame de Papanicolaou via Atenção Primária a Saúde (APS), a integração entre o rastreamento e o segmento, além de interculturalidade são bases fundamentais para a formulação de políticas públicas para o rastreamento do CCU (CERQUEIRA, et al, 2023).

Diante o exposto, a adoção de programas organizados para prevenção primária (vacinação), para prevenção secundária (exame de rastreamento – Papanicolaou ) e para prevenção terciária é o caminho menos dispendioso e mais eficaz para eliminação do CCU no SUS conforme demonstra historicamente a Escócia.

Referências Bibliográficas:

Palmer, Tim, et al. "Prevalence of cervical disease at age 20 after immunisation with bivalent HPV vaccine at age 12-13 in Scotland: retrospective population study." bmj 365 (2019).

Bouvard, Véronique, et al. "The IARC perspective on cervical cancer screening." New England Journal of Medicine 385.20 (2021): 1908-1918.

Cerqueira, Raisa Santos, et al. "Controle do câncer do colo do útero na atenção primária à saúde em países sul-americanos: revisão sistemática." Revista Panamericana de Salud Pública 46 (2023): e107.

Palmer, Tim J., et al. "Invasive cervical cancer incidence following bivalent human papillomavirus vaccination: a population-based observational study of age at immunization, dose, and deprivation." JNCI: Journal of the National Cancer Institute (2024): djad263.

https://g1.globo.com/tudo-sobre/escocia/

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